Em nossas conversas sobre ferrovias e mais especificamente sobre vagões e suas características, temos indicado formas de como eles podem se comportar quando estão em um trem e quais os fatores que podem afetar sua segurança dinâmica. Todos sabemos que quando projetamos um vagão, estudamos detalhadamente cada um de seus conjuntos como sua estrutura, seus truques e os sistemas de choque e tração e freio para que ele se comporte de forma mais equilibrada possível. Porém, quando eles são agrupados em um trem, possuem comportamentos e reações dinâmicas específicas que são derivadas da operação, do tamanho e tipo do trem, da velocidade operacional, etc., bem como aquelas definidas pela manutenção da via permanente que é fundamental para que não ocorram problemas como tombamentos, descarrilamentos e instabilidades.
Nossa missão neste post, é comentar alguns pontos que podem verdadeiramente prejudicar a estabilidade de um trem. Vamos então começar…
1- VELOCIDADE E/OU CONDUÇÃO
Quando um trem está em movimento, todos os vagões que o formam, mesmo com suas dimensões e pesos diferentes, precisam ter respostas dinâmicas próximas. A condução feita pelo maquinista, ainda é a forma mais viável de levar um trem em nível ou em rampa, seja ela ascendente ou descendente. Digo viável pois na procura interminável de redução de custos, muitos sistemas e softwares tem sido criados e implantados nas locomotivas para “auxiliar” na condução e que podem ser regulados de várias formas, sendo que algumas delas acabam por gerar impactos entre os vagões, por exemplo, pela eliminação de aplicações mínimas de freio pneumático em detrimento do freio dinâmico em uma rampa contínua. Reduz-se a ação humana e aumenta-se o custo de manutenção! Parece lógico?
Hoje os trens, sejam eles mistos ou unitários, têm circulado a velocidades cada vez maiores e isto direciona à necessidade de componentes mais sensíveis e resistentes para suportarem as altas cargas geradas. Caso a operação não seja equilibrada, as forças longitudinais que existem na linha dos engates podem gerar trincas na estrutura, danos em engates, nas mandíbulas, nos aparelhos de choque, além dos impactos que são transformados em cargas verticais sobre os truques afetando os seus fundidos, rolamentos, rodas e eixos, além do binômio de forças sobre cada roda, que pode levar à tendência desta escalar o boleto do trilho mesmo em um trecho de tangente.

Fig. 1 – Trem com impacto entre vagões
Nossa recomendação: Treinar maquinistas continuamente dentro de todas as características de operação ferroviária e na atualização dos equipamentos usados nas locomotivas e vagões. Inclusive recomenda-se que eles opinem sobre a regulagem do melhor sistema de condução semi-autônoma a ser aplicado, aliando a tecnologia aplicada à teoria da condução com o conhecimento das reações dos trens nos trechos críticos da via.
2- AMORTECIMENTO DAS VIBRAÇÕES
No período de predominância das locomotivas a vapor, a operação ferroviária era bem distinta da atual. Estas máquinas em sua maioria, tinham pouca capacidade de tração, o que levava os trens de carga a trafegarem a velocidades muito mais baixas que as atuais. Até a metade dos anos 1940, para se ter uma ideia, os truques não possuíam cunhas de fricção, o que vale dizer que eles não tinham dispositivos que amortecessem as oscilações dos vagões, principalmente no item de rolagem (derivado do termo Inglês ROLL), onde o balanço lateral aumentava proporcionalmente à velocidade, além do fato de que os ampara-balanços eram somente do tipo de folga e não de contato constante como hoje. Maior velocidade, maior rolagem…

Fig. 2 – Trem com vagões de baixo amortecimento nos truques
Nos anos de 1990, ou seja, no período anterior à privatização, havia um trem unitário de açúcar acondicionado em pacotes, que era formado no interior de São Paulo com vagões das extintas RFFSA e FEPASA sendo despachado até o porto do Rio de Janeiro para exportação. Este trem por várias vezes descarrilou no trecho entre as duas grandes cidades, onde a velocidade era aumentada em função do prazo de chegada e partida dos navios ou para compensar qualquer atraso no trecho. Eu, na oportunidade morava na cidade de Cruzeiro-SP, localizada na metade do caminho, e regularmente ia até a estação para ver os trens. Especialmente gostava de ver o trem do açúcar passar e ficava de pé na extremidade da plataforma para poder vê-lo quase que inteiro e de frente em uma grande reta que passa ao lado da antiga Fábrica Nacional de Vagões-FNV, atual Amsted Maxion. A visão que eu tinha muito se assemelha à condição mostrada na Figura 2, pois alguns vagões oriundos da Fepasa eram da série FSQ e FSR da antiga Companhia Paulista e que tinham truques tipo Double Truss, adaptados para rolamentos mas sem cunhas de fricção. Veja abaixo na Figura 3, a foto de um vagão destas séries.

Fig. 3 – Vagão fechado da série FSQ
Como os truques Double Truss não tinham as cunhas de fricção, não havia força de atrito entre as extremidades das travessas e as colunas das laterais para controlar o balanço da caixa. Assim, o vagão oscilava de forma proporcional à velocidade do trem, até que dependendo da combinação de forças sobre as rodas e algum desnível da via, ocorria o descarrilamento. Após algumas reuniões entre as empresas, verificou-se que para não ocorrer este efeito sobre as rodas, os truques deveriam ser substituídos por outros modelos providos de cunhas. Como não havia disponibilidade destes truques para a troca imediata e a adaptação levaria um bom tempo, optou-se pela redução da velocidade operacional do trem, o que colaborou para que o transporte de açúcar nesta condição fosse encerrado.
Nossa recomendação: Sabemos que nos dias atuais das ferrovias não há mais espaço para truques sem amortecimento em função dos pesos, velocidade e perfil dos trens modernos. Desta forma, a recomendação passa a ser como controlar o atrito gerado pelas cunhas de fricção durante as viagens. Já apresentamos no passado, aqui em nosso espaço, um post referente às características de montagem destes dispositivos que se dividem em duas categorias, as que trabalham em regime de amortecimento constante e as que proporcionam mais amortecimento em função da carga do vagão. Atualmente, as cunhas que geram amortecimento variável são as preferidas por criarem uma condição de trabalho vazio-carregado automática nos trens. Além disso, as cunhas dos sistemas mais modernos como os existentes nos truques MOTION CONTROL, também garantem a manutenção do esquadro da aranha (estrutura formada pela travessa e pelas laterais) nas curvas, o que reduz o contato dos frisos com os trilhos, naturalmente gerando maior vida útil às rodas e aos trilhos. Em resumo, recomendamos manter o sistema de amortecimento dos truques sob rígido controle de manutenção nas oficinas e com isso garantir a possibilidade de maior segurança operacional para os vagões, bem como optar pela modernização dos truques antigos com amortecimento constante, para amortecimento variável pela troca de componentes que os transformem em truques radiais.
3 – INSTABILIDADE TRANSVERSAL (HUNTING)
A instabilidade transversal de um vagão, é aquela que surge e movimenta os rodeiros transversalmente em relação ao centro da via permanente, Nesta situação, os frisos das rodas batem violentamente contra os boletos dos trilhos, ora de um lado ora de outro, e são contaminantes ao equilíbrio geral do vagão. Nossos amigos americanos chamam este efeito de hunting e já se sabe que um dos rodeiros inicia o movimento transversal e logo é seguido pelo outro rodeiro do mesmo truque. Se uma das cabeceiras do vagão se instabiliza, rapidamente a cabeceira oposta segue o mesmo movimento. Caso pudessemos olhar um rodeiro com hunting, o veríamos serpentear na via, como mostra a Figura 4, a seguir.

Fig. 4 – Hunting sobre um rodeiro
Mas muitos perguntariam o que pode causar o hunting sobre o rodeiro ferroviário? A resposta direta também é a velocidade. Mas, para entender esta resposta, voltaremos rapidamente ao tema da inclinação que existe nas pistas das rodas, a qual ajuda muito na busca dinâmica dos rodeiros pelo centro geométrico da via. Este movimento transversal pode com o aumento da velocidade, tornar-se forte, ou seja, a aplicação e a resposta podem ocorrer de forma muito rápida. Então, o segredo é controlar a instabilidade transversal derivada da velocidade, sem afetar o movimento de centralização do rodeiro mesmo com velocidades mais altas.
Os truques mais modernos e que possuem almofadas de borracha ou polímero entre cada pedestal das laterais e os rolamentos, possuem nestes componentes um antídoto natural e local contra o hunting pois conseguem controlar a tendência do aumento de deslocamento sem travar o rodeiro numa mesma posição. Caso este travamento ocorresse o ganho de vida de roda seria anulado, com danos nos frisos e pistas. Controlando o hunting no rodeiro, seguramente o estaremos controlando também nos truques. Observamos na Figura 5 a seguir, a montagem de uma almofada de polímero (polimer pad) aplicada no adaptador metálico a ser encaixado no pedestal das laterais.

Fig. 5 – Adaptador com polímero tipo Adapter Plus®
Nossa recomendação: Como o fenômeno do hunting tem origem, como vimos, na velocidade, os truques de projeto mais antigo estarão sempre mais sensíveis a tal instabilidade. Desta forma, nossa principal recomendação é a de termos sempre truques com adaptadores com pads de polímero ou de borracha instalados nos pedestais, os quais associados aos ampara-balanços de contato constante, impedirão que o hunting inicie quando a velocidade estiver próxima dos 60 km/h, que é um valor de atenção nas operações. Os Truques Radiais já possuem em seu projeto básico estes dois componentes, o que nos leva a concluir que estes serão muito mais seguros que os truques convencionais de amortecimento constante, adaptadores sem pads e ampara-balanços de folga.
4- SUSPENSÕES DOS TRUQUES
Além das cunhas de fricção, as suspensões ferroviárias formadas por molas helicoidais, também afetam imensamente a estabilidade dos vagões. Mesmo que as cunhas estejam executando seu trabalho normalmente, pode ser que as molas montadas nos truques já estejam “cansadas” (perda de altura de trabalho) ou quebradas, o que fragilizará a constante de resistência total dos pacotes. Molas com perda de altura complicam muito a circulação por criarem um ponto que acabará reagindo mal às imperfeições da via permanente, como empenos, superelevação incorreta, etc. Além disso, as velocidades operacionais maiores que são praticadas hoje pelas grandes ferrovias geram frequências de vibração que precisam ser combatidas para evitar o fenômeno da ressonância, o qual fará com o vagão venha a descarrilar. Recomendamos a leitura do livro Segurança Operacional de Trens de Carga, escrito pelo Eng. Luiz Hungria, que trata muito bem deste tema em seu capítulo 4.
Os pacotes de suspensão são formados por molas helicoidais externas e internas, montadas concentricamente e em grupos calculados para permitir o complemento indispensável. A escolha do melhor pacote faz parte do trabalho do engenheiro ferroviário e do projetista de truques, assistido pela área de Operação da Ferrovia. Vamos supor que em um determinado vagão tanque com suspensão formada por molas do tipo D5 em 4 pacotes na bitola de 1,60m, possui a configuração mostrada na Figura 6, a seguir.
Fig. 6 – Desequilíbrio por mola quebrada
Nossa recomendação: Para que as suspensões possam manter o equilíbrio dinâmico, é imprescindível que durante a parada dos trens nos pátios para inspeção, bem como durante a retirada dos truques nas manutenções, as molas helicoidais sejam cuidadosamente inspecionadas para ver ser alguma delas está quebrada. Ainda durante a imobilização nas oficinas, quando os truques são desmontados, que as molas passem pelo teste de compressão para verificar se elas perderam altura útil. Molas “cansadas” podem provocar o mesmo efeito danoso que as molas cansadas.
5- AMPARA-BALANÇOS
Os ampara-balanços, assim como ocorre com as suspensões, são responsáveis pelo equilíbrio do vagão quando em marcha. Lembramos que a estrutura dos vagões por estar apoiada nos dois truques, reage como uma viga bi-apoiada e que balança longitudinalmente sobre seus pratos pião. Este efeito se torna ainda mais crítico quando os vagões são equipados com ampara-balanços de folga e não de contato constante. Imaginemos que durante a operação regular, um dos ampara-balanços esteja desregulado e com abertura excessiva. Com tal defeito, o balanço lateral poderá ser amplificado, repetindo o que já descrevemos no item 2 acima, para problemas de amortecimento. Existe uma regra básica que ver ser seguida para que estes importantes componentes trabalhem adequadamente, como mostrado na Figura 7.

Fig. 7 – Regulagem da folga dos ampara-balanços
Nossa recomendação: Faça a medição em via nivelada e alinhada. Então mantenha nos truques as castanhas dos ampara-balanços de folga ou retire o polímero dos modelos de contato constante, voltando a colocar sua tampa e monte a caixa do vagão sobre truques. Regule as folgas entre os suportes da travessa do pião e as castanhas dos ampara-balanços ou entre as tampas dos modelos de contato constante na faixa de 6 a 9mm usando chapas finas de espessura 1,5mm para diminuir ou aumentar os valores obtidos. A diferença da soma cruzada das folgas não pode resultar num valor maior que 3mm. No caso do modelo de contato constante, volte a instalar o polímero interno no conjunto. Realizando esta sequência, o vagão estará minimamente balanceado.
6- IMPERFEIÇÕES DA VIA PERMANENTE
Todos os cinco pontos citados neste resumo, poderão ser diretamente afetados por modificações ou imperfeições da via permanente. Empenos seguidos, super-elevação incorreta, manutenção postergada, etc., irão gerar forças e vibrações que poderão descarrilar ou mesmo tombar um trem. Assim, recomendamos que sejam feitas todas as manutenções preventivas e corretivas necessárias à identificar problemas no material rodante para que os trens circulem sem perigos.
