Quando do início da ferrovia, os vagões eram ainda pequenos e dotados na sua grande maioria de apenas dois eixos pois sua capacidade era baixa. Estes pequenos veículos de estrutura inteiramente de madeira foram comuns aqui no Brasil em praticamente todas as ferrovias tanto de bitola métrica quanto de bitola larga, sendo famosos alguns modelos da São Paulo Railway, EF Central do Brasil, Leopoldina Railway e outras, como se pode ver na Figura 1.
Figura 1 – Vagão Fechado de 2 eixos da SPR
O crescimento ferroviário da época que o Brasil reconhecia suas ferrovias como fator de progresso, foi rápido e com ele a natural necessidade de termos trens mais pesados e longos , tornando os vagões de dois eixos obsoletos e pontos de instabilidade dos então novos trens. Dependendo de sua posição na composição, os vagões de dois eixos poderiam instabilizar todo o comboio já que na equalização das forças longitudinais as reações poderiam jogá-los para fora da via em curvas ou pontos onde havia uma mudança de inclinação.
Os vagões que foram sendo incorporados às ferrovias para dar conta do recado e gerar maiores ganhos de transporte, eram então dotados de conjuntos rodantes que possuiam tres peças básicas, uma travessa central onde a caixa se apoiava e duas laterais que transmitiam os esforços até os trilhos passando pelas suspensões e rodas. Estes componentes ficaram conhecidos com o nome de TRUQUES, que é uma nacionalização do nome ingles Trucks, sendo este ainda hoje a forma como são chamados na nomenclatura ferroviária.
O desenvolvimento dos truques foi diferente na Europa e nas Américas. Enquanto que por aqui a procura constante por aumento da carga por eixo sempre direcionou o projeto, fazendo com as peças fossem aumentando de peso e tamanho para comportar os diâmetros de roda cada vez maiores e suspensões mais vigorosas, na Europa a continua convivência com os trens de passageiros fez com que os trens ficassem curtos, leves e mais rápidos que os americanos. Por isso, ainda hoje se pode ver vagões de dois eixos naquele continente, com caixas de alumínio. Por isso, vamos nos concentrar no que aconteceu no Brasil, que segue plenamente a tecnologia norte-americana.
Quando a necessidade fez os truques surgirem no cenário ferroviário, os modelos eram tão rústicos quanto todo o restante do material rodante: madeira, ferro (ainda não aço), fixações mecânicas (parafusos e rebites a quente), etc, como podemos ver na Figura 2, com a foto de um truque conhecido como Truque de Barras (Arch Bar).
Figura 2 – Truque Arch Bar em vagão da Leopoldina Ry
Os truques Arch Bar fizeram muito sucesso no início do século 20 pois com sua introdução nos vagões, estes duplicaram sua capacidade de transporte fazendo com o transporte ficasse ainda mais concentrado nas estradas de ferro. Porém, como mencionado anteriormente, o progresso sempre faz com que os limites sejam ultrapassados e os Arch Bar passaram a ser analisados não só em função de suas qualidades mas também por suas fraquezas. Com o aumento de peso, as barras sofriam com a fadiga do material perdendo sua forma original e os parafusos e porcas precisavam ser frequentemente apertados,trazendo frequentemente os vagões de volta às oficinas de manutenção. Além disso, entravam em cena alguns components antes desconhecidos do projeto dos truques em função da velocidade ainda ser baixa: o Amortecimento das Vibrações e os estabilizadores de marcha, conhecidos como Ampara-Balanços. Ambos em breve serão motivo de estudo específico de nossa parte. Vemos na Figura 2 acima, algumas evidências deste periodo inicial dos truques, ou seja, a pobreza na suspensão de uma ou duas molas em cada extremidade das travessas e o sistema de freio com sapatas de ferro fundido aplicadas pela parte externa e não por dentro do truque como ocorre hoje.
Os Estados Unidos sempre foram um país que preza pela criação de novas tecnologias, o que alias deveríamos também fazer por termos cientistas, engenheiros e técnicos com conhecimento suficiente, mas acabamos deixando para os outros e copiamos e nos adaptamos. Na area ferroviária, não seria diferente e as grandes fundições se instalaram como fonte de emprego e desenvolvimento principalmente na parte norte daquele país sendo usadas como impulsionador das ferrovias. No anos de 1930 e 1940, surgiram então os primeiros exemplares de truques em aço fundidos que em vez da limitação imposta pelas barras tenha travessas e laterais formadas por peças em seção fechada, muito mais resistentes.
Os truques da Figura 3 foram alguns dos modelos que surgiram como novidade e que alavancaram a carga por eixo dos truques de poucas 7,5 t para 12t e até 16t, gerando uma corrida por novos vagões de então “grande”capacidade, com caixas que ainda tinham a madeira como material básico mas que já começavam a apresentar estrados com partes ou totalmente metálicos.
Figura 3 – Truques Fundidos tipo SELF ALIGNING em vagão da EF Central do Brasil
Os truques desta figura embora de boa capacidade ainda eram inertes ao problema das vibrações geradas pelo aumento da velocidade, como dissemos. O nome Self Aligning tem por tradução básica o termo truque auto-alinhante, já que a extremidade das travessas centrais montadas nas laterais tinha uma forma convexa enquanto que a lateral na região era côncava e estas duas superficies nas saídas das curvas traziam o truque de volta à sua posição inicial de alinhamento. Vemos um melhor estudo de projeto nestes truques com esta necessária visão de ajuste de forma nas saídas das curvas, o que hoje é fundamental nas mais modernas tecnologias de contato roda x trilho. Foi um projeto visionário também em termos de suspensão com a introdução dos pacotes de molas helicoidais que controlavam a estabilidade geral do vagão nos trens. Entretanto, haviam muitos pontos a serem melhorados já que no iníco dos anos 1950 os cargueiros americanos puxados por grandes locomotivas a vapor ou pelas iniciantes diesel elétricas, já estavam circulando e torno das 35 milhas/hora, aproximadamente 60 km/h nas linhas tronco e como as ferrovias por lá foram direcionadas para integrar o pais e não apenas para exportação, como ocorreu por aqui, a solicitação por material mais “engenheirado” conatinuava em alta.
Usei o termo “engenheirado” pois nesta etapa das ferrovias, os engenheiros verificaram que não poderiam seguir adiante sem parar e pensar no futuro. Era preciso pensar em como os vagões se moviam e como seus movimentos precisariam ser enfrentados. Como aumentar sistematicamente a carga por eixo e a velocidade sem diretamente aumentar os acidentes e interrupções de tráfego? Não havia como fugir do controle das vibrações e todos os projetistas e fabricantes se reuniram apresentando 6 projetos que seriam testados ao longo das principais linhas com vagões teste onde os diferentes truques seriam montados e seus movimentos analisados através de dinamômetros com números ajustados às suas características de contato e à força de fricção entre travessas e laterais gerada por um novo component do mundo ferroviário: a Cunha de Fricção.
As cunhas de fricção amorteciam as vibrações verticias oriundas do movimento oscilatóro das suspensões para que estas não entrassem em ressonância com a frequência natural causada por imperfeições da via permanente, o que causaria um descarrilamento pois o vagão balançaria de forma descontrolada. As cunhas de fricção trouxeram muito progresso e com este uma nova familia de truques amortecidos dinamicamente. A Figura 4 mostra um truque com amortecimento de vibrações ainda muito comum nas principais ferrovias do mundo.
Figura 4 – Truque Fundido RIDE CONTROL com amortecimento
Os truques amortecidos, usados até hoje, foram separados em duas famílias principais, uma formada por truques onde o amortecimento das vibrações eram constantes independendo se o vagão estivesse vazio ou carregado, conhecida como a familia dos truques tipo RIDE CONTROL. A outra família foi formada pelos truques onde a força de amortecimento variava com a carga do vagão, ou seja, quanto mais o vagões estivesse carregado mais força era exercida pelas cunhas para estabilizar a marcha dos vagões, conhecida como família BARBER. Modernamente estes nomes comerciais não são os únicos detentores destas tecnologia, já existindo soluções de amortecimento constante e variável de outras denominações mas que seguem a mesma linha.
Na Figura 4 vemos muito nitidamente a estrutura fundida muito mais forte que aquela presente nos Self Aligning, bem como as cunhas de fricção montadas nas trevessas logo acima da suspensão, o que nos permite hoje circular em trens acima de 100 km/h nos trens de containers empilhados (double-stack), que já foram citados em nosso site.
Em complementação ao descrito, veja no esquema da Figura 5 abaixo, visualmente a diferença de funcionamento das cunhas de fricção de cada família citada para auxiliar no entendimento de como o amortecimento das vibrações é executado. O primeiro esquema mostra o sistema constante (RIDE CONTROL) e o segundo do sistema variável (BARBER).
Figura 5 – Sistema de Cunhas de Fricção constante e variável, respectivamente
Na continuidade deste tema sobre truques, iremos estudar a modernização deste sistema de amortecimento a seco (Coulomb) usado nas ferrovias e que também já é usado para controlar outro importante movimento dos truques e que serviu para o desenvolvimento da teoria dos Truques Radiais, que são aqueles onde os rodeiros se ajustam ao raio das curvas, reduzindo o consume de combustível e rodas, dois grandes vilões de custo das ferrovias.