1- INTRODUÇÃO
O sistema de freio automático de um trem de carga, deve ser provido de componentes que permitam ao maquinista formas simples, confiáveis e seguras de conduzir o conjunto de vagões e locomotivas para:
* Controlar a velocidade em operação e principalmente em descidas de rampas.
* Controlar e estabilizar os choques derivados das folgas existentes entre os vagões.
* Parar nos blocos definidos pelo sistema de sinalização.
Como sabemos, o sistema de freio automático de um trem é um sistema de trabalho contínuo, com uma tubulação que se extende por todo o comprimento do trem conhecida como encanamento geral, o qual é conectado a uma válvula de controle e aos demais componentes do conjunto como cilindro, reservatório, etc, existentes em cada um dos vagões para obter os resultados acima listados. Aqui, nos concentraremos especificamente nas válvulas de controle, seus tipos básicos e suas funções.
As válvulas atuais trabalham para acompanhar as características dos trens modernos no tocante a:
* Rápida propagação de aplicações de frenagem.
* Menores distâncias de parada.
* Equivalência de frenagem entre os vagões, independente do tipo e comprimento destes.
* Estabilidade contra aplicações indevidas de emergência.
Nos próximos itens, iremos indicar cada um destes tipos de válvula de controle e porque foram criadas as soluções atuais, sempre com o objetivo de passar a você que gosta de ferrovias e procura entender cada vez mais seu funcionamento, formas e soluções que busquem seu crescimento profissional ou pessoal.
2- TIPOS DE VÁLVULAS DE CONTROLE E SUA CRONOLOGIA
Já citamos em nossos trabalhos anteriores a genialidade de George Westinghouse, engenheiro norte-americano que viabilizou a existência das ferrovias no mundo ocidental com o desenvolvimento do freio ferroviário automático. Antes dêle, a ferrovia não tinha segurança em seu trabalho com sucessivos acidentes que tiravam vidas e derrubavam a confiabilidade, chegando-se a um ponto crítico no final do século 19 quando vários órgãos de imprensa solicitaram ao Congresso dos EUA a paralização das operações ferroviárias no país!!!.
Figura 1 – George Westinghouse
Até que Westinghouse apresentasse seu conceito de frenagem, os vagões já usavam o ar comprimido gerado pelos conhecidos compressores verticais das locomotivas a vapor. O encanamento geral ficava vazio e quando se pretendia realizar a diminuição de velocidade ou parada de um trem, o ar comprimido gerado e armazenado em um grande reservatório, era liberado por uma torneira existente na cabine do maquinista e introduzido pelas mangueiras até que chegasse a cada um dos cilindros de freio nos vagões e carros de passageiros.
Este processo era extremamente ineficiente já que a pressão gerada ia caindo ao longo do comprimento do trem, limitando muito o número de vagões em cada composição. No final do século XIX tal limitação poderia até ser tolerada mas o crescente uso da ferrovia rapidamente forçou para que alguma ação tecnológica mais eficiente fosse adotada. É neste momento que surge o novo conceito salvador de Westinghouse que funcionava de forma oposta ao sistema então em uso, ou seja, o ar comprimido era injetado ao longo do trem sendo armazenado em cada um dos reservatórios existente nos vagões até atingir um valor padrão e igual para todos.
Para aplicar o freio, o maquinista deveria reduzir a pressão no encanamento geral e não injetá-lo, fazendo com que a eficiência fosse muito grande. Além disso, caso uma das mangueiras do sistema se rompesse, a pressão cairia muito rapidamente, fazendo com que fosse aplicada emergência em cada metade separada do trem.
Toda esta função era e ainda é, controlada por uma válvula, também montada em cada vagão de forma a estabilizar a frenagem com segurança. É exatamente sobre esta válvula que iremos falar especificamente neste artigo, através de uma cronologia de entrada em serviço, cada uma delas devidamente comentada:
Figura 2 – Cronologia das válvulas de freio
Vamos então fazer alguns comentários sobre cada válvula de controle e o motivo pela qual cada versão foi desenvolvida. Como veremos, este caminho de evolução sempre esteve ligado à necessidade de aumento da capacidade frenante dos trens em função do seu peso, comprimento e velocidade:
A- Válvulas Tríplice ou Sistema K
A primeira versão da válvula tríplice foi lançada em 1872 para possibilitar o aumento dos trens dos então 8 a 10 vagões para 20 a 30 vagões. Ela tinha este nome derivado de suas funções básicas ainda desconhecidas que eram, aplicação, alívio e emergência, enquanto que no sistema anterior só era possivel aplicar e aliviar a quantitdade de ar injetado. Este projeto representou uma revolução para o transporte ferroviário criando um enorme crescimento para o setor. Tal sistema foi sendo aprimorado até que em 1906 foi oficialmente apresentada ao mercado a válvula K, a qual tinha este nome creio que mais por sua forma básica do que por alguma função específica. Os testes foram iniciados em 1908 e totalmente concluídos em 1917 com sua aprovação incondicional, fazendo com que a empresa de Westinghouse decolasse no mercado tendo até que terceirizar uma grande parte de sua produção já que todas as ferrovias emitiram pedidos para milhares de válvulas.
Tudo era novidade com esta aplicação e o costume direcionava para uma montagem agregada. Neste tipo de projeto a válvula era conectada diretamente à parte traseira do reservatório de ar, tendo este por sua vez uma conecção frontal com o fundo do cilindro de freio. Assim, parte do ar correspondente à redução operada pelo maqunista, ia diretamente para a câmara do cilindro onde encontrava uma membrana de borracha que empurrava a haste do cilindro para frente e conseqüentemente a alavanca principal de freio da timoneria, distribuindo a força de frenagem até as rodas.
Figura 3 – Sistema com válvula K
As válvulas do tipo K permaneceram em serviço durante muito tempo permitindo sempre o aumento de tamanho dos trens, sendo que no limite de sua aplicação, os ferroviários norte-americanos chegaram a formar trens de 80 vagões, o que foi considerado na época como um extremo avanço tecnológico.
B- Válvulas AB
Westinghouse era viciado em trabalho e movido a desafios! A válvula K, apesar de ser um sucesso comprovado, já começava a apresentar limitações com o aumento da velocidade e do peso dos trens. Como evolução efetiva, as válvulas AB lançaram o modelo de um suporte central projetado para receber os encanamentos de conexão entre os componentes onde eram montadas duas porções de trabalho que operavam o funcionamento nas condições de serviço e de emergência. Com tal disposição, o sistema ficava mais equilibrado com cada parte da válvula operacionalizando sua função específica. Veja na Figura 4, abaixo o esquema com as três partes da moderna válvula de controle de freio ferroviário.
Figura 4 – Válvula AB
Na figura da válvula AB acima, vemos da esquerda para a direita a sequência PORÇÃO DE EMERGÊNCIA + SUPORTE DE ENCANAMENTOS + PORÇÃO DE SERVIÇO. Assim, o Suporte de Encanamentos é o grande “orientador” da operação de frenagem pois todos os tubos chegam nele e dele o ar é distribuído para as Porções de Serviço e Emergência, sempre tendo por base o valor da pressão de ar que está no encanamento geral dos vagões. Os labirintos criados por Westinghouse em cada peça abrem e fecham passagens de ar conforme os valores de pressão positiva ou negativa. As positivas empurram e abrem passagens enquanto que as negativas vedam e fecham, direcionando o caminho que o ar comprimido deve percorrer conforme a situação desejada, sem afetar as demais funções da válvula as quais ficam inativas até que o processo disparado seja concluído. Depois da válvula AB todas as demais válvulas de freio desenvolvidas até hoje seguem este mesmo esquema, mantendo a mesma sequência. Como figura complementar ver abaixo as três partes da válvula separadamente.
Como buscamos descrever rapidamente acima, quando o maquinista reduz a pressão no encanamento geral, visando uma redução de velocidade ou mesmo a parada do trem, tal queda de pressão chega primeiramente ao Suporte de Encanamentos que a transmite para a Porção de Serviço, onde o processo de frenagem é iniciado. Parte do ar armazenado na câmara de serviço do reservatório existente em cada vagão se conecta com o encanamento do cilindro de freio em uma proporção matemática de volumes, até que a pressão se estabilize. Tal ar que chega ao cilindro empurra então o embolo e com ele a haste que se conecta com as alavancas da timoneria transmitindo a força de frenagem para as sapatas que tocam as rodas reduzindo ou parando o trem por atrito. Parece simples mas o gênio de Westinghouse fez com que a simplicidade salvasse a operabilidade da ferrovia até hoje pois tão importante quanto circular com segurança é parar com segurança.
Para aliviar o freio, o maquinista coloca então o punho do manipulador existente na cabine na posição de recobrimento. Nesta condição a pressão vai novamente subindo até seu valor de refer6encia estabelecido pela ferrovia e o ar que estava no cilindro é esgotado para a atmosfera através do retentor de controle e alívio, componente que já foi motivo de um post anterior.
Veja o esquema a seguir de um sistema pneumático de freio que está presente com algumas variações em todos os vagões.
Figura 5 – Esquema Pneumátido de freio
O mesmo processo descrito para a aplicação de serviço, usada para controlar a velocidade ou para parar um trem, ocorre também na aplicação de emergência. O processo de redução de pressão no encanamento geral é feito, só que de forma brusca, ou seja, quando ocorre por exemplo um rompimento de mangueira devido a uma quebra de mandíbula nos engates. Com a queda brusca de pressão o Suporte de Encanamentos direciona as aberturas de ar para as duas câmaras do reservatório, fazendo com que todo o seu conteúdo seja direcionado para os cilindros de freio. O objetivo neste caso é parar o trem o mais rápido possível e tal operação pode injetar até 20% a mais de força na timoneria e desta às rodas, as quais devem SEMPRE parar girando e NUNCA travando e deslizando, o que custaria um calo na superfície de contato da roda com o trilho. Este calo é puro veneno para o vagão e para a via permanente, já que o impacto causado a cada giro da roda cria condições extremas que direcionarão para uma trinca ou quebra com falha no trem e consequentemente um acidente. No caso de uma aplicação de emergência, todos os reservatórios devem ser recarregados em seu volume total antes que o trem volte a circular.
C- Válvulas ABD
Como citamos anteriormente, a evolução das válvulas de freio vem sendo direcionada para aprimorar as suas funções internas de velocidade de aplicação e alívio de freio ao longo do trem. Além disso, os períodos de manutenção começaram a ser ampliados em função do uso de diafragmas de conexão entre as câmaras, substituindo os aneis de bronze causando menos fricção e desgaste. Aliás, a letra D acrescentada ao nome da válvula fazia referência exatamente aos Diafragmas.
As válvulas ABD também aumentaram a velocidade de alívio do sistema, fazendo com que o trem retomasse o movimento mais rapidamente e sua aplicação foi oficialmente aprovada em 1964, praticamente 30 anos após a revolução causada pelas válvulas AB.
Figura 6 – Válvula ABD
Neste período os trens norte americanos já dispunham de 120 vagões, quantidade que ainda é vista em um trem regular, o que não deve ser entendido como estagnação no processo evolutivo. Importante sempre lembrarmos que embora a quantidade de vagões fique por volta deste número, a capacidade de cada veículo também subiu exigindo estudos e provas adicionais para que a segurança operacional fique mantida.
D- Válvulas ABDW
Esta válvula foi lançada já nos anos 70 com a intenção de aprimorar as válvulas ABD. Ela foi a primeira válvula de controle com ação contínua de serviço rápido. A característica de uma rápida aplicação de emergência em função do crescimento das velocidades operacionais, gerou mais conforto aos maquinistas pois permitia que o alívio de tal aplicação fosse também localizado junto à porção de emergência de cada válvula e não somente pelos retentores de alívio. Abaixo a imagem destas válvulas.
Figura 7 – Válvula ABDW
As válvulas ABDW aumentaram também a velocidade de transmissão de queda de pressão ao longo do encanamento geral de 152 m/s para 175 m/s. Tal melhora também foi sentida no resultado geral das ferrovias pois as modernas tecnologias de projeto dos vagões e locomotivas manteve este modal como ótima opção logística aos países que optaram por ele como os EUA.
NOTA: Importante que se mencione aqui que embora as válvulas de freio venham sendo desenvolvidas continuamente, modelos de todas as válvulas anteriores continuam em circulação. Isto, além de natural pois não há como substituir todas as válvulas de freio sempre que cada novo modelo é lançado, faz com que os ganhos expressivos alcançados nos testes oficiais dos laboratórios de simulação para 150 vagões por trem não sejam plenamente sentidos nos trens principalmente quando há um bloco de vagões com o mesmo tipo de válvula mais antigo.
E- Válvulas ABDX / ABDX-L
Este é o tipo de válvula que incorporou todas as melhoras das válvulas anteriores. Foi oficialmente aprovada para serviço irrestrito na metade dos anos 90 e permitiu a formação de trens com mais de 3.000 m de encanamento geral com respostas muito rápida e eficaz. Vem sendo usada desde então com variações que melhoraram a estabilidade de aplicação e alívio. Sua performance foi tão boa que aumentou a velocidade de propagação de 175 m/s para quase 220 m/s, o que a fez aparecer no texto das especificações técnicas de compra de todos os vagões. Observamos a válvula ABDX na figura a seguir.
Figura 8 – Válvula ABDX
Apesar de toda a modernidade desta solução, ela não foi suficiente para impedir que alguns trens longos igualmente formados por vagões longos, ou seja, com grande comprimento de encanamento geral, passassem a apresentar uma ocorrência de aplicação de emergência expontânea. Sempre que estes longos trens desciam um trecho de serra no noroeste americano, a ocorrência se repetia sem uma definição do que fazer oara impedi-la. Foram feitos muitos testes até que se concluiu que a massa de ar comprimido dentro dos tubos do encanamento geral dos vagões longos, se movimentava longitudinalmente alterando por segundos a pressão o suficiente para que as novas ABDX, mais sensíveis que as demais, sentissem a variação repentina e aplicassem emergência no trem de forma expontânea.
Descoberto o motivo, foi então desenvolvida uma variante de projeto destas válvulas específica para ser aplicada a vagões longos com mais de 22,8m de encanamento geral. Esta válvula então foi classidicada como ABDX-L sendo a letra L introduzida para representar vagões LONGOS. Assim, todo e qualquer vagão com mais do que este comprimento de encanamento geral terá obrigatoriamente que receber estas válvulas para evitar a emergência indevida e com ela a possibilidade de acidentes.
F – Válvulas equivalentes
Como todos sabemos, existem hoje no mundo ferroviário deste lado do mundo dois grande fabricantes de componentes para freios. São eles a WABTEC, atual nome da antiga empresa de Westinhouse e também a FREIOS KNORR, oriunda da Europa associada à empresa americana New York Air Brake – NYABCO. Esta última empresa para participar do mercado, começou seu desenvolvimento de válvulas mais confiáveis também nos anos 90 do último século e hoje detém metade do fornecimento destes componentes em iguais condições de qualidade e performance.
Todos os tipos de vávulas que vimos até este momento são originárias da Wabtec, sendo que a Knorr fabrica e fornece as válvulas DB60, apresentada na figura abaixo, a qual é equivalentes ao modelo ABDX e também a versão DB-60L para os vagões longos.
Figura 9 – Válvula DB60
O nome DB60 vem da codificação dos componentes desta válvula. O suporte de encanamentos tem código DB30, a porção de serviço é DB10 e a porção de emergência DB20, devendo estes números usados para a compra de reposição nas oficinas de freio das ferrovias quando das manutenções.
Gostaria de resumir a eficiência das válvulas de freio em um gráfico de tempo necessário para que o último vagão de um trem de 150 vagões perceba a queda de pressão no encanamento geral e aplique freio. Vejam que com o passar do tempo e aprimoramento do projeto, as respostas são sempre mais rápidas tanto em aplicação quanto em alívio e recobrimento do ar no sistema.
Figura relativa ao tempo de aplicação / alívio no vagão 150 de um trem
OBS: Neste gráfico é indicada a válvula EP60, a qual não citamos nestas notas. Estas são válvulas eletrônicas que agora começam a ser usadas em trens nos EUA e Austrália, as quais reduzem a zero os tempos de aplicação e alívio já que o sinal de trabalho não é dado pela queda de pressão no encanamento geral mas sim por meio de um sinal de rádio vindo da cabine do maquinista. Isto reduz imensamente as distâncias de parada dos trens, necessitando os maquinistas de um treinamento específico para conduzir um trem onde elas estejam instaladas. As válvulas eletrônicas serão motivo de uma descrição à parte no futuro.
3- APLICAÇÃO
Normalmente cada vagão recebe apenas uma válvula de freio por conjunto pneumático. Como dissemos, ela é o coração do sistema e sua sensibilidade quanto às variações de pressão controlam o bom funcionamento nas etapas de aplicação e alívio. Pode-se dizer sem receio de enganos que hoje todas as situações operacionais de frenagem podem ser controladas com as válvulas mais modernas.
Também existem vagões chamados de unidades-duais onde uma dupla de vagões é controlada por apenas uma válvula de freio ou mesmo vagões articulados de até 5 unidades. Nestes casos cada grupo de 5 vagões possui 3 válvulas de freio, intercalando sua aplicação sobre as sapatas dos truques compartilhados e mantendo a segurança operacional do trem.