1- INTRODUÇÃO
Todos aqueles que amam e fizeram das ferrovias sua vida pessoal ou profissional, têm buscado cada vez mais estudar e aprimorar sua aplicação para que tenhamos uma verdadeira condição de progresso em nosso país. O sistema ferroviário possui em cada uma de suas divisões aspectos que complementam o todo e que acabam sendo muito importantes para que o trabalho flua de forma adequada.
No caso específico do material rodante, além dos tipos conhecidos de vagões classificados como sendo básicos, existem outros que dão suporte à operação e que são tão necessários quanto os primeiros para que o sistema opere com toda segurança e eficiência. São os chamados VAGÕES ESPECIAIS, os quais iremos estudar neste artigo. Na verdade, existe uma série grande de vagões de serviço que poderiam ser chamados de vagões especiais, mas esclareço que não iremos estudar aqui os plataformas e hoppers abertos pertencentes aos departamentos de via permanente de cada ferrovia, usados nas construções e manutenções periódicas. Nosso foco serãos aqueles com funções diferentes das consideradas normais e executadas pelos 5 tipos básicos.
2- TIPOS DE VAGÕES ESPECIAIS
2.1- VAGÕES REPETIDORES DE AR (REPEATER CARS)
É um nome estranho mas que se justifica pela necessidade de auxílio na manutenção da pressão de ar comprimido dentro do encanamento geral dos vagões para trens longos que circulam nos locais onde o frio é muito intenso. Nesta condição de temperatura, o ar comprimido como fluido que é, tem dificuldades de seguir abastecendo todos os vagões da cauda nas velocidades de aplicação e alívio, o que pode causar sérios perigos à condução do trem. Os repetidores possuem em seu interior um compressor movido a óleo diesel e que entra em ação sempre que a temperatura externa atingir a marca de -10 graus Centígrados forçando o ar a se manter na pressão de trabalho em todos os vagões que estão localizados depois dele. Normalmente os repetidores são vagões fechados que foram adaptados para esta função, como mostrado na Figura 1, abaixo.
Figura 1 – Vagão Repetidor de ar comprimido
Com as modernas práticas ligadas com a tração distribuído ao longo dos trens, onde locomotivas adicionais fornecem além da tração necessária também a complementação do ar para o sistema, os vagões repetidores de ar comprimido vêm gradualmente sendo retirados de serviço.
2.2 – VAGÕES CORTA-FOGO (BUFFER CARS)
Estes vagões estão na moda como incremento de proteção contra explosões em caso de descarrilamentos de trens específicos de vagões tanques, conhecidos no Brasil como trens tanqueiros. Como as locomotivas são equipamentos onde existe alta temperatura e condições favoráveis a incêndios caso um dos tanques que esteja acoplado a elas venha a se chocar ou derramar liquido inflamável, os vagões de proteção ou corta-fogo acrescentam uma distância de proteção que dificulta tal ocorrência. Assim, as normas de segurança operacional ferroviária atuais recomendam a inclusão dos vagões corta-fogo, os quais podem ser vistos na Figura 2, abaixo e nos trens da RUMO Logística em suas linhas de bitola 1,60m no estado de São Paulo.
Figura 2 – Vagão Corta-Fogo
Assim como ocorreu com os vagões repetidores de ar comprimido, os corta-fogo foram criados com base em antigos vagões já existentes e disponíveis em função de sua baixa capacidade de carga se comparados aos vagões atuais. Para que possam ser usados acoplados logo após as locomotivas, recomenda-se que eles não estejam vazios e sim carregados com material inerte e de alta densidade como a areia. Isto se justifica para impedir que haja um ponto de instabilidade no trem pois um vagão vazio nesta posição poderia conduzir a uma resultate lateral nas curvas que o faria descarrilar. Para melhorar ainda mais a segurança do trem tanqueiro, os corta-fogo devem ser também equipados com engates de proteção contra engavetamento. Estes engates já foram citados em um post específico, caso você queira entender sua função.
2.3 – VAGÕES DE SEGURANÇA DE MANOBRA (SWITCH CARS)
Estes vagões são também chamados de vagões de transferência em algumas ferrovias por facilitarem as equipes de manobreiros na troca de linha de composições inteiras ou parte delas entre pontos de carga ou de descarga nos terminais onde o trem tenha que recuar grande distância. Nesta condição pouco favorável aos maquinistas que não conseguem enxergar o que está ocorrendo na outra ponta do trem, os manobreiros igualmente sofrem pois precisam ficar pendurados no estribo do último vagão, que durante o recuo passa a ser o primeiro. Além desta condição pouco segura, muitas vezes precisam sinalizar passagens de nível e caminhar sob sol e chuva intensos, tornando a operação insalúbre.
Com os vagões de segurança ou transferência, a equipagem de recuo pode ficar protegida do tempo, sinalizar ou mesmo buzinar nas passagens de nível e ter comunicação melhor com o maquinista e com o centro de controle, garantindo um trabalho eficiente e seguro. Veja um modelo na Figura 3, a seguir.
Figura 3 – Vagão de Segurança ou de Transferência
A estrutura destes vagões é muito semelhante aquela utilizada nos antigos Caboose, sendo algumas unidades providas de banheiros e instalações elétricas para permitir o uso de micro-ondas. Normalmente não tem camas ou beliches já que não podem ser usados em viagens mas apenas operar nos terminais e dar suporte à equipagem de manobras, sendo engatados somente para permitir uma condição mais segura e removidos quando a atividade estiver concluída. Seus truques podem ter solução de amortecimento melhores que os truques de vagões mas isto é mais raro de se verificar, ocorrendo apenas quando a ferrovia disponibiliza antigos truques de carros de passageiros para esta finalidade. Os vagões de segurança são muito úteis nas atividades de recuo nos terminais pois a locomotiva fica na extremidade oposta e sem condições de visibilidade para evitar possíveis acidentes.
Desta forma, a equipe de manobras fala por rádio com o maquinista e o previne de algum obstáculo sobre a via ou nas passagens de nível quando algum carro possa transpor os trilhos com o trem em movimento. Como hoje o vandalismo está muito forte em alguns locais, os vagões de segurança também protegem a equipe da ocorrência de assaltos, garantindo a integridade do grupo e do trabalho em andamento. Intemperies são igual motivo para o uso destes vagões.
2.4 – VAGÃO LABORATÓRIO / DINAMÔMETRO (DYNAMOMETER CARS)
Estes vagões são usados para o levantamento de dados durante um determinado teste de material rodante novo ou de análise de condições da via permanente. Atualmente, com os recursos de computação disponíveis eles são equipados com uma grande quantidade de equipamentos de levantamento, captação e análise de dados. Os primieros vagões deste tipo foram introduzidos nos EUA no final dos anos 40 quando houve um trabalho a nível nacional para definição dos tipos de amortecimento que seriam aprovados para aplicação nos truques dos vagões em produção, tendo em vista o aumento da velocidade operacional. Portanto, tipos bem primitivos de vagões laboratório foram usados e consagraram desde então seu uso para pesquisa e desenvolvimento.
Figura 4 – Vagão Laboratório da ferrovia BNSF – USA
Na Figura 4 acima, vemos um destes vagões com fabricação exclusiva feita nas oficinas da própria ferrovia, com projeto desenvolvido internamente para adequar a forma de captação e tratamento dos dados no ambiente de análise existente. Já para os modelos primitivos, eram usados antigos carros de passageiros que eram baixados das operações e adaptados para receberem as unidades de levantamento e medição.
Muito comum ver estes vagões em serviço interno das ferrovias, quando se pretende monitorar os trens em relação aos esforços que atuam sobre os vagões. Truques, sistemas de choque e tração bem como sistemas de freio recebem significativa ajuda destes carros pela medição de esforços longitudinais dos trens, vibrações, impactos, desbalanceamentos, oscilações das caixas, etc.
2.5 – VAGÕES GABARITO (CLEARANCE CARS)
As ferrovias possuem um gabarito de livre passagem. Tal gabarito representa a seção em largura e altura permitidas para que o material rodante (vagões, locomotivas e carros) possam circular sem contatos ou choques com as limitações físicas de estações, pontes, cortes, etc. O trabalho realizado pelos vagões gabarito é o de identificar se algo ao longo das vias mudou e que possa gerar perigo aos trens ou mesmo no caso de solicitação da área comercial das ferrovias para a contratação de um transporte especial de equipamentos de grandes dimensões e peso.
Os vagões gabaritos são na sua maioria provenientes de antigos carros de passageiros ou vagões, onde são montadas pequenas barras metálicas que quando abertas e em posição de trabalho garantem a passagem em todos os pontos da seção transversal da via. Caso alguma destas barras se choque contra um obstáculo, o trem é parado e são feitas anotações específicas para identificar a quilometragem da via onde o fato ocorreu.
Figura 5 – Vagão Gabarito
Na Figura 5, vemos um vagão gabarito usado pela antiga Fepasa nas suas linhas de bitola 1,60m, modificado a partir de um dos velhos cabooses da Companhia Paulista. Pode-se também ver claramente a estrutura montada com as barras metálicas de identificação de contato e com a interessante instalação de um limpa-trilhos provavelmente oriundo de alguma locomotiva a vapor sucatada, já que o vagão seguia à frente da locomotiva para identificar qualquer irregularidade com tempo de parada e identificação do trecho.
2.6- VAGÃO DE ABASTECIMENTO DE LOCOMOTIVAS (LOCOMOTIVE FILLING CAR)
Com a crescente campanha mundial pela redução de emissões de resíduos de motores à explosão para a atmosfera, bem como por menor uso de combustíveis fósseis, algumas ferrovias iniciaram um projeto para uso do gás natural veicular – GNV em suas locomotivas. Neste conceito de projeto e evitando que o abastecimento fosse prejudicado durante o trajeto, os vagões de abastecimento ficariam instalados entre duas locomotivas adaptadas para queimar 70% de gás e 30% de Diesel. Isto levou a uma definição estrutural de grande tara pois como o gás tem grande volume e é consumido em escala considerável durante as viagens, a perda de peso e os choques entre as locomotivas em tração conjunta, poderia instabilizar o trem gerando o descarrilamento do vagão de abastecimento.
No Brasil, a VALE foi pioneira no desenvolvimento de um vagão de abastecimento de locomotivas em movimento, tendo sido projetados e fabricados dois protótipos para testes de viagem na EF Vitória a Minas – EFVM. A ideia básica era que um vagão fosse acoplado a um par de locomotivas enquanto o outro ficasse em carregamento de gás no terminal, O trem iria até a mina e retornaria ao porto para descarga do minério. Neste momento o vagão vazio seria trocado pelo vagão reabastecido para que mais um ciclo de operação fosse iniciado.
Figura 6 – Vagão para abastecimento de locomotivas com GNV
Interessante também observar na Figura 6, que os engates destes vagões são providos de proteções contra engavetamento (double-shelf) como obrigatório em qualquer tipo de vagão tanque e também possuem folga longitudinal controlada para reduzir os possíveis choques entre as máquinas. Como dito, foram construídas duas unidades para os testes opercionais porém sem a devida continuidade em função das variações de preço e disponibilidade do GNV no Brasil. O projeto geral destes vagões foi da Amsted Maxion para plataforma e componentes ferroviários ficando com a White Martins a definição do tanque e seus sistemas de alimentação e proteção contra vazamentos e demais possiveis acidentes ambientais.
2.7 – VAGÕES PARA AFERIÇÃO DE BALANÇA (SCALE CAR)
Como o próprio nome indica, os vagões aferidores de balança ferroviária são usados para controlar a pesagem de vagões vazios e carregados nos terminais próprios ou dos clientes. Seu peso é controlado por meio de um total de material conhecido e acondicionado de forma a sempre deixar o valor pesado dentro da faixa aceitável para os clientes. Normalmentye eles ficam parados em locais específicos de pátios e as ferrovias evitam movimentá-los muito para que o valor de massa total sobre trilhos não seja alterada por qualquer incidente.
Na Figura 7 a seguir, vemos um pequeno vagão de aferição dentro do modelo mais comum usado para este trabalho nos EUA. Veja que é um veículo de diminutas dimensões para que possa entrar e sair de todas as balanças existentes sem a possibilidade de transferência de peso para outra instalação ou via. Salienta-se que apesar das pequenas dimensões, os aferidores de balança podem viajar nos trens quando necessário pois possuem um sistema de freio integrado e freio manual de acordo com as normas ferroviárias existentes.
Figura 7 – Vagão para aferição de balança
Os vagões de aferição podem também possuir dimensões maiores como os da imagem mostrada em destaque no início deste trabalho. São portanto vagões importantes na operação e principalmente na confirmação de transporte para as ferrovias, controlando a difeença entre as quantidades embarcadas e desembarcadas identificadas pelas balanças.
2.8- VAGÕES DE AUXÍLIO AOS TRENS DE SOCORRO E TRABALHOS DE VIA (MOW CARS)
Os chamados vagões de auxílio são aqueles que acompanhamos trens de socorro ou de manutenção de via permanente fornecendo todo o suporte necessário ao pessoal que irá trabalhar no trecho, principalmente quando tal trabalho for realizado em mais de um dia. Eles são normalmente produzidos a partir de vagões fechados que não atendam mais aos requisitos de transporte remunerado na ferrovia ou ainda carros de passageiros antigos, principalmente na função de dormitórios.
Os vagões de serviço podem ser cozinhas, refeitórios, dormitórios, oficinas mecânicas, escritórios, etc., inclusive sendo dotados de equipamentos que se conectem à rede WI-FI mais próxima para que seja possivel realizar reuniões com transmissão de dados. Na Figura 8, um típico vagão de serviço neste caso usado em trens socorro como cozinha / refeitório.
Figura 8 – Vagão de auxílio a trem socorro
Como conclusão deste resumo sobre alguns dos vagões especiais, verificamos que eles são tão importantes quanto os chamados vagões remunerados e por isso mesmo precisam ser adequadamente mantidos para que possam executar sua função de maneira precisa e segura. Mesmo que sejam reaproveitados de unidades antigas não se deve negligenciar sua manutenção de truques, sistemas de choque e tração, bem como dos sistemas de freio.