Caros amigos, após alguns problemas pessoais enfrentados no final de 2018, com muita alegria voltamos a manter contato para conversarmos sobre as ferrovias.
Especificamente hoje vamos conversar sobre um importante componente do sistema de freios dos vagões, as Válvulas Retentoras ou como é mais conhecido no Brasil, os Retentores para Controle de Alívio. Este pequeno e fundamental componente, controla a velocidade de liberação do ar usado nos cilindros quando os freios são aliviados. Seu nome é devido a uma de suas funções que é muito utilizada quando a operação ferroviária é feita em perfis de grande inclinação, ou seja, a de reter uma quantidade de ar nos cilindros para acelerar o processo de frenagem, caso o maquinista necessite de uma aplicação rápida. Por isso, eles também são conhecidos entre os ferroviários como Válvulas de Serra.
Lembrando um pouco o funcionamento do sistema de freios, abordado aqui através do post Taxas de Frenagem (2016), sabemos que quando se deseja aplicar freios no trem, o maquinista reduz a pressão no encanamento geral ao longo de todos os vagões. Com isto, a queda de pressão irá proporcionar uma reação da válvula de freio, a qual retirará parte do ar existente nos reservatórios, enviando-o para os cilindros que movimentarão as alavancas da timoneria (alavancas e tirantes) até que as sapatas sejam apertadas contra as rodas, diminuindo a velocidade ou parando o trem por meio do atrito.
Vejamos no esquema geral da instalação pneumática do sistema de freios abaixo, a posição assinalada dos retentores de controle de alívio e sua conexão direta com a válvula de controle.
Pergunta Importante: Como o retentor controla a velocidade de saída do ar usado nos cilindros?
A resposta é de certa forma bem simples! O ar que pressiona as câmaras internas dos cilindros em contato com os diafragmas de borracha, ao perder pressão é empurrado de volta pela tubulação pelas molas internas de retorno dos cilindros de freio até ser expelido para a atmosfera pelo retentor de controle de alívio. Para que seja expelido, o ar precisa passar por um orifício interno do retentor que pode ter seu diâmetro aumentado ou reduzido mudando-se um punho de comando manual existente em sua carcaça. Ao mudar-se este punho, os orifícios internos de escape são igualmente mudados, sendo que os maiores diâmetros irão provocar um tempo de escape menor enquanto que os menores diâmetros, devido à restrição de passagem do ar, aumentarão o tempo de alívio do sistema. Em uma destas posições, haverá a retenção de uma pressão de cerca de 20 libras nos cilindros de freio.
Esta é a posição de maior restrição e antes de um trem descer uma serra ou um longo trecho de declive, o maquinista ou os operadores de pátio devem colocar TODOS os punhos dos retentores dos vagões nesta mesma posição, dando ao maquinista uma faixa de segurança adicional pois ele sabe que haverá esta pequena parcela de ar nos cilindros que o ajudará na efetividade de uma aplicação de freio. Os retentores de alívio nasceram com a genialidade de Westinghouse, sendo usados por ele desde os primeiros testes com o desenvolvimento dos sistemas KC e KD, já que como dissemos, o ar usado nas aplicações deveria ser eliminado com controle para que os trens não desgarrassem assim que os freios fossem aliviados.
São vários os modelos de retentores usados pelas ferrovias desde a implantação do freio automático, como veremos a seguir na ordem cronológica de seu projeto:
1- Modelo de 4 posições: Usado de 1880 até 1933
Era composto de uma carcaça dupla onde o ar era obrigado a passar por restrições internas até sair pelo orifício graduado conforme o punho que se observa na figura na posição de escape direto. As demais posições que se obtinha girando o punho para cima, graduavam o tempo de saída de ar. Como os trens eram curtos e bem mais leves que hoje, os tempos se ajustavam às necessidades.
2- Modelo de 2 posições: Usado de 1934 até 1980
Eram compostos de apenas duas opções de ajuste e surgiram com a introdução das válvulas de controle do tipo AB em 1934 que substituíram os modelos K. Pela eficiência demonstrada pelo novo sistema de freio, os projetistas acharam que com apenas duas graduações o controle de saída do ar seria acertado, o que não se observou mais a frente.
3- Modelo de 3 posições: Usado a partir de 1980
É o retentor de projeto mais moderno já possuindo uma esfera interna com as graduações de alívio em pequenos furos graduados que se ajustam conforme o desejo dos operadores. Para esta peça, vale a pena a descrição de suas posições:
EX: Posição de Escape Direto, também chama de posição normal do retentor. Nesta posição, todo o ar usado para aplicação de freio nos cilindros será eliminado para a atmosfera de forma mais rápida. Tempo médio de alívio por volta de 20s;
HP: Posição de Escape Restrito com Reserva, na qual será retida uma pressão de 20 libras nos cilindros de freio. Caso uma aplicação para controle de velocidade do trem seja feita com o retentor nesta posição gerando uma pressão acima do nível das 20 libras, quando do alivio, o excesso será eliminado até que as 20 libras permaneçam nos cilindros. Tempo médio de alívio por volta de 50s;
SD: Posição de Escape Super Restrito, onde o tempo de alívio é o mais longo para proporcionar um alívio de segurança. Esta é a posição que gerou o apelido de válvula de serra para o retentor. Nesta posição do punho, o fluxo de saída será controlado, porém também gerando um “resíduo” de 10 libras nos cilindros para permitir um completo recarregamento do sistema pneumático. Tempo médio de alívio por volta de 120s.
O motivo pelo qual estes ajustadores possuem 3 posições enquanto que os anteriores trabalhavam com somente 2 posições, foi a necessidade operacional das ferrovias de ter a reserva de ar nos cilindros. Como os trens atuais estão mais longos e pesados, sua operação precisa ser muito bem estudada para que não ocorram acidentes do tipo de perda de controle do trem nas rampas. Caso seja necessário parar o trem em uma descida ou subida de rampa, o recobrimento do sistema literalmente soltará o trem e o seu grande peso fará com ele ganhe velocidade muito rapidamente. Um resíduo de pressão nos cilindros será fundamental para que o total recarregamento do sistema seja feito.
Como exemplo de diversidade operacional entre as ferrovias, cito o fato de que a Estrada de Ferro Carajás, localizada nos estados do Pará e Maranhão com um perfil de rampa máxima de 0,5%, não utiliza retentores de alívio em seus trens. Como não há inclinação suficiente para causar perigo de rápida aceleração quando os trens têm os freios aliviados, não há também necessidade para utilizá-los. Em seu lugar é usado um tipo de silenciador preso à saída da válvula onde os retentores estariam montados com o objetivo de não produzir o assovio causado pela saída do ar em alta velocidade.
A Engenharia Ferroviária, sempre em evolução, ainda não conseguiu projetar um retentor de controle de alívio automático e que não precise da atuação do homem para correr todo o trem antes da mudança de perfil que irá gerar mais perigo. Alguns estudos já foram efetuados para termos peças de punho removível, assim como ocorreu com os punhos das torneiras angulares, eliminados para evitar o vandalismo, mas nada ainda foi feito para dar ao retentor uma atuação automática como a já obtida com o sistema vazio-carregado que comuta as pressões que chegam aos cilindros.
Fica o desafio aos projetistas pois caso estes consigam um componente com tais características o ganho será enorme para a produtividade das Estradas de Ferro.
Caso você tenha dúvidas sobre a função dos retentores, sua melhor posição e/ou projeto, por favor fique à vontade para fazer contato. Terei o máximo prazer em estudar e tentar ajudar. Grande abraço!!